sexta-feira, 14 de setembro de 2007

SINCERO - UM DIA JÁ FUI MUITO E...


Um assunto recorrente nas discussões e nos pensamentos cotidianos é acerca da sinceridade das pessoas. Todos buscam incessantemente a sinceridade de cada um. Será que ela está sendo sincera? É verdade o que se disse? O que está passando realmente na cabeça dela? É o eterno jogo do esconde-esconde em que atitudes e pensamentos disfarçados e escamoteados uns dos outros, visando levar uma vantagem ou controlar uma determinada situação.
Na realidade, o que está por trás da busca da sinceridade, da "verdade" sobre uma coisa ou um pensar, que é externado a todos, é a destruição do jogo das aparências. A sociedade burguesa utiliza-se deste jogo de aparências para impor, subrepticiamente, toda uma série de controles e relações de poder, os quais ela domina difusamente. Rousseau antes da Revolução Francesa já alertava que o grande objetivo do mundo filosófico, que sempre foi alcançar a verdade, seria o de desmascarar a falsidade por trás das aparências da sociedade burguesa. O símbolo deste pensar, de como deveria ser o homem, é a figura do "bom selvagem", puro, intocado, incorrompido, exemplo do homem justo para uma sociedade justa do Contrato Social.
Mas como não somos uma sociedade justa e crescemos no "mundo das aparências", do dever ser e não do ser, não estamos acostumados com a sinceridade alheia. A sinceridade é chata e irritante para os inseguros e complexados, ou seja, a maioria. Eu gosto das pessoas que falam e externam o que pensam, mas não é o que ocorre no dia-a-dia. Por mais que alguém lhe diga para falar o que pensa, não diga nada! Esconda-se, fuja, mude de assunto! Pois, mesmo que a pessoa que lhe botou nesta sinuca de bico insista, ela não irá entender e apreciar a sua boa intenção.
Eu sempre fui e sempre serei sincero, mas de agora em diante escolherei o momento e para quem eu posso dizer a minha "verdade". Lembro muito bem de uma aula na Faculdade de História da USP, em que eu, muito entusiasmado, cometi um destes deslizes de ser sincero e que deu origem a esta crônica.
A Professora é muito boa e estava dando um excelente curso de História Medieval. Era sempre um prazer ir todas as quintas à noite assistir às suas aulas até ela mandar ler um livro,"Outono da Idade Média", de Huizinga. Este livro é um clássico da historiografia mundial, um primor de escrita e de conhecimento. Peguei este livro na biblioteca em espanhol (os que tinham em português sumiram todos!). O problema foi o fato de que toda hora em que lia o livro, o sono assolava a minha cabeça como uma martelada. Li só 4 capítulos.
Na última semana do curso, iríamos fazer uma avaliação em grupo sobre o livro, o que acabou não ocorrendo. A avaliação virou um bate-papo descompromissado sobre o livro. E a Professora fez aquela maldita pergunta, "Sinceramente, o que vocês acharam do livro?" Um silêncio estrondoso invadiu a sala. Eu, impaciente com a situação, soltei a pérola: "O livro, sinceramente, deu sono!" Imediatamente, ouvi um oh de reprovação da classe e da professora, que emendou: "Este livro foi uma das minhas inspirações para ser professora. Eu queria escrever como ele escreveu!" Tentei argumentar a minha razão em vão. O sermão historiográfico durou cerca de 15 minutos, os meus colegas de aula, diferentemente de mim, exaltaram as palavras e a qualidade do livro. Soou como puxa-saquismo, mas estava alheio a isto, levantei o braço e com ar de derrota perguntei quando seria a recuperação do curso. A minha sepultura já estava pronta, só faltava eu deitar. Felizmente não deitei, pois tinha ido muito bem na prova e passei com a quarta maior nota da classe. E o resto da sala, literalmente, ficou de recuperação, quebrando um pau com a Professora. Saí por cima, mas com algumas lesões…
Resumo da ópera, sinceridade só é válida e educada para pessoas em quem confiamos e acreditamos, pois o resto não liga e nem quer saber disso, quer ouvir palavras gentis e polidas. No fundo, falsas. Mas não importa. O meu avô já dizia, "Saber a hora de calar é sinal de inteligência, além de fazer bem a saúde".

4 comentários:

Anônimo disse...

Pra dizer a verdade, o livro deu sono e muito! E o admiro pela sinceridade, gostaria de tê-la tido no dia desse "sincero" questionamento da professora...
ADorei seu texto! bjsss

Anônimo disse...

opss...comentário acima foi meu... Valzinha

Unknown disse...

Val,

Muito obrigado. Você é muito gentil. Você lembra da Teresa Aline??? hahahaha... Beijos

Anônimo disse...

Rú Rú Rúuu... que como esquecê-la!!! que figura!!!