Panistórias Lado B: Castelão do Funk 2
Por Victor Hugo
Resolvi partilhar o texto em dois, pois percebi que o caminho até o Castelão do Funk foi tão fértil quanto o próprio local que fomos aproveitar. A divisão do relato em dois também tem outra função: a de demarcar muito bem a mudança das sensações e do lugar que estávamos. Aliás, sinto-me compelido a ser fiel na minha transcrição de sensações a todos.
Pagamos a quantia de R$ 10,00 para entrar, cuja entrega do valor deveria ser feita por um buraco, que mais se parecia com a toca de algum tatu. No caminho da entrada, vi vários pitboys, patricinhas e manos. Logicamente que lá no Rio não é a mesma terminologia. Este é o ruído do estrangeiro em terras alheias. Sempre ele tenta reduzir uma realidade à sua percepção local e restrita, o que pode gerar conclusões apressadas e reducionistas, o que, com certeza, em algum momento, irei fazer, mas sem querer.
Entramos em fila indiana, pois o lugar estava lotado até no teto, literalmente. Olhamos para a direita e vimos um palco, que cruzava a parede inteira, de cima em baixo, preenchido com caixas potentes de som. À frente, um MC que cantava no meio das batidas frenéticas do som. O som era tão forte que o meu peito mexia, involuntariamente, em virtude da força dele. Castelão Treme Tuuuuudo! Comecei a acreditar neste slogan. Tudo muito apertado, quente. E a fila continuava firme! Íamos ao bar para pegarmos umas bebidas. Fomos orientados a comprar fichas no caixa. O caixa avisa em letras garrafais: "NÃO TEMOS MAIS INGRESSOS PARA O CAMAROTE!". A idéia de Jardel de pagar R$ 150,00 no camarote já tinha morrido sem ter nascido... Vodcas e caipirinhas para todos, desfrutaremos da balada! Pego a minha péssima caipirinha e o MC comandando a massa: "Quem é Flamengo? Vaixxxxxsscoooo???". Meu Deus, futebol, mulheres e Castelão!! O MC quer matar a todos! Já comecei a rezar o pai nosso e aves marias... E todo mundo cantando e gritando o nome de seus times, Flamengo em ligeira maioria. Tinha muito vascaíno. E o MC, não contente em provocar a todos, era flamenguista o dito cujo, começou a exorcizar: "Puta que o pariu, se o Romário faizzz mil gols, o Obina faizzz dois mil!". A casa caiu! Os flamenguistas ficaram enlouquecidos... Eu comecei a dar risada, o Jardel começou a dançar, o Alex, já bem louco com a vodca, só sorria, Brunão querendo entender tudo aquilo e Joãozinho partiu para cima no mais puro estilo carioca...
É, o estilo carioca é meio estranho. Eles adoram cultuar o corpo. O paulistano mediano jamais entenderia o que é aquilo. Eles são um pouco, sei lá, narcisistas misturados com geração saúde, o que os absolve da culpa de algum pecado católico. Não dá para entender tudo aquilo. As mulheres são despojadas e soltas no agir e no vestir. Os homens têm um ar de machões briguentos, o que assusta um pouco. Quando vimos isto, decidimos: nada de mulher nem para pedir informações! E, para piorar a nossa percepção, a maioria dos homens da balada, eu disse a maioria, tiram as camisetas e ficam sem nada, tanto os frangotes como os bad boys. Eu achei aquilo nojento. Passei a noite me esfregando em homem desprotegido. E a minha masculinidade onde fica? Que é isso! Já pensou eu bater em alguém e encostar... Deus me livre! Achei que todos do grupo estavam partilhando da minha opinião até eu ver Joãozinho e Alex tirarem a sua camiseta no Morto Muito Louco... Que fase!!! haahahahahahahahahah!!! Eu, Jardel e Brunão, nos negamos a ir na onda dos dois chapados. É, o Lado B nunca mais será o mesmo! Foi neste momento que Joãozinho inventou a sua variação da dança do caranguejo maluco para o funk: em vez de ficarmos com a mão para cima, agora é para baixo! hahaahahahahahahaha!!! Chão, chão, chão... E todos com a mão para baixo e os dois sem camiseta!!! Que beleza!!!
Relaxados e um pouco mais álcoolizados, conseguimos interagir e aceitar tudo aquilo um pouco. O som é muito legal até para quem não gosta. Toca de tudo relacionado ao funk e ao hip hop. E para agitar a galera tem show pirotécnico em cima do palco, o que eu nunca vi em São Paulo. Show!!! O camarote fervilhava com mulheres bonitas e homens endinheirados, que não paravam de olhar um minuto para baixo. Era meio baile de carnaval ao som de funk. Tudo muito confuso. Acho que era a bebida... Comecei a procurar entender toda aquela miríade de contradições e opressões que somente existem no Brasil e que são, particularmente, mais diretas e francas no Rio. Vi ali Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Uma pena ele não poder prosseguir mais, ali no Castelão ele teria muito mais material para futuras pesquisas... Será que nos transformamos na sociedade da passividade e do conformismo? O mesmo cidadão que oprime e restringe o acesso do povo do morro é o que se diverte com ele. Um dia o meu professor Wilson Martins falou algo e que acabo de dar-lhe razão: o negro e o pobre em geral têm um lugar específico que é o da diversão. Não são para serem levados a sério. E o povo se contenta com este papel, pois ou não o reconhece ou, se o reconhece, só pode absorver este tipo de papel... Vejo que os dois estão fundados na mesma raiz: a falta de educação que limita os horizontes da grande população.
Mesmo assim, estávamos no pique e todos se respeitavam. A mulherada, como divulgado na mídia, esmirilhava o requebrado e quando nos sentimos mais confiantes a balada acabou às 4h00min!! Como assim às 4h00min? Eu entenderia este horário se tivesse praia no dia seguinte, mas com aquela chuva... Sem chance. Às 4h00min, tudo fechado e nós fomos despejados para o carro. E agora? Aonde vamos dormir? Vamos dormir? Pra quê dormir? Aí começou outra epópeia: o caminho da padoca do pagode...
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