terça-feira, 4 de setembro de 2007

Panistórias Lado B: Castelão do Funk 1


Panistórias Lado B: Castelão do Funk 1

Por Victor Hugo

Prezados Amigos de Lado B,

O Rio parece que adquiriu uma marca que não sei se é muito boa. O Rio virou a capital do funk! Antigamente, iríamos para o Rio para ver o Pão de Açúcar, o Corcovado, o Cristo Redentor, as belas praias, mas agora vamos para ver os bailes funk. E para a nossa sorte, no segundo seguinte à decisão que estaríamos a caminho do Rio, Jardel não nos deixou esquecer que deveríamos ir ao malfadado baile funk. Embevecido, Jardel repetia, "Victão, achei um pico no Rio 10! Veja aí!". E mandava o link do sítio. Respondia que parecia ser interessante e que poderíamos ir sim. E todos concordaram.

Depois do jogo de basquete acirrado, em que o Panamá quase derrotou a gloriosa celeste uruguaia. Quase, pois a celeste sempre, na base da garra, se recuperou e fechou com mais de 10 pontos de diferença, para desalento de todos menos eu. Passada mais de meia-noite, ficamos no dilema. Iríamos ao baile funk com o jogo de basquete, ingressos comprados, às 8h00min? Arrumaríamos algum lugar para dormir? Teríamos energia de sobra para aguentar o pancadão? Aguentaríamos o Jardel por não irmos? Acho que não e resolvemos ir em frente. Vamos varar a noite no funk e irmos direto ao baile, foi o consenso geral. Descanso só em São Paulo!!!

Depois desta decisão, ficou a interrogação: aonde fica o Castelo das Pedras? Ninguém sabia nem o idealizador de nossa jornada, Jardel, que veio com a solucionática: "Ah, é fácil, todo o Rio conhece o Castelão!". Com esta iluminação, saímos a busca do lugar. Passamos 33 vezes à frente do Hard Rock Café da Barra da Tijuca e entramos mais de 5 vezes em contra-mão até chegar num posto. O frentista, emparedado pela questão, saiu com esta expressão bem carioca: "É longe pra caraca!". No ato, todos olharam desconfiados para Jardel. Aí, Bruno informou ele que iríamos de carro. Ele disse com a anuência do parceiro: "É...! Vai demorar uns 15 minutos até lá!". Explicado o caminho, fomos em direção ao Castelão.

Acertamos todas as viradas e esquinas. Cada vez que nos aproximávamos ao local, ficava perguntando a mim mesmo aonde estaríamos indo. A cada curva e lombada, o caminho ficava mais sinistro (em 3 dias já estou com expressões do carioquês que Jardel, em seu relato, irá ensinar a todos!). O caminho é escuro, sinuoso, cheio de buracos, lombadas, bares de quinta categoria e chuva, muita chuva... Aliás, a chuva foi nossa sexta companheira de viagem. Choveu tanto que o barulho dos pingos da chuva já ecoavam em meu cerébro como parte da paisagem deslumbrante do Rio. E o caminho parecia não ter fim, já estava desconfiado dos 15 minutos do frentista até chegarmos numa praça cheia de ônibus. Olhamos ao redor e por intuição, depois de mais uma contra-mão, entramos à direita e seguimos. Neste momento, já achei que estávamos indo à casa da Família Adams. Até que, não mais que de repente, ouve-se o barulho de um pancadão forte. Jardel eufórico exulta: "Eu não disse!". Olho para os lados e investigo o lugar. Pensei cá com os meus botões: "Será que não estamos em algum lugar perdido em Bagdá ou Cabul?". Mas a chuva rebaixava o pensamento. Era o Rio mesmo. Aí recordei-me das palavras de um policial que Jardel abordou na Barra: "Lá é super tranqüilo. Um amigo meu toma conta lá. Não tem perigo, não! Pode até deixar o carro aberto! Mas vocês não irão fazer isso...hahaha!" Fiquei tranqüilo só por isso, pois o sem vergonha tinha ensinado o caminho errado para nós.

Realmente, nem em Carapicuíba tem um lugar como este! O lugar é feio de arquitetura, na disposição das casas, na proximidade do morro de pedras, na estreiteza das ruas. Além do mais a chuva obscurecia muito mais todo este cenário. Ao fundo, o pancadão do Castelo das Pedras. E lotado. Muito lotado. Cheio de carros. Por incrível que pareça, Audis, Golfs, Ecosports, misturavam-se neste cenário. Achei tudo muito estranho esta simbiose naquele aperto de lugar, naquela situação. Será que saio vivo? Paramos o carro na calçada, devidamente orientado pelo guardador, mediante a paga de R$ 5,00, e fomos comer um churrasquinho. Joãozinho, preocupado, que eu não tinha avisado que precisaria levar a carteira de estudante, resolveu procurar uma lan-house. Lan-house naquele lugar? Eu não conseguia raciocinar direito sobre aquilo tudo. Aonde foi que dormir para entender esta mistura de pré-miséria para ser o lugar mais badalado do Rio? Eu que havia saído minutos atrás da riqueza opressora da Barra da Tijuca, que impede até a mistura de linhas de ônibus que vêm do Centro e da Zona Norte. Que mundo é este que eu estava? Que mistura a miséria eminente de sua arquitetura e povo com os estrangeiros da mesma cidade, com tal harmonia e paz. Quero ainda entender tudo aquilo que não cabe ainda na minha cabeça... Vou ter de me socorrer das palavras de Florestan Fernandes mais uma vez para entender esta democracia racial e social tupiniquim.

Com o espírito emulado com estas sensações, fui com Joãozinho à lan-house. Qual não foi a surpresa que os computadores estavam no meio de uma loja de móveis, com tapeçarias, sofás e colchões para tudo quanto é lado. Acho que vi um menino solitário no meio daquilo tudo, perdido em pensamentos virtuais em realizações reais... Será que eu vi? Já se passavam da 1h00min e estávamos no Rio das Pedras dentro de uma lan-house. Inexplicável. O dono ofereceu graciosamente o computador para o Joãozinho, que acabou por esquecer seu número USP e senha. Enfim, não adiantou nada. Vamos comer algo, pois tudo isto embrulhou o meu estômago.

Estava para finalizar o meu espeto, quando Jardel, desesperado, chega alucinado dizendo que não aguentava mais esperar, que precisava entrar, tinha que ser agora. Se não fosse agora, ia dar um comichão no meio do estômago. Acelerou todo mundo e, contente, empurrou-nos para dentro do Castelo das Pedras. Aí vamos nós!

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