sexta-feira, 5 de outubro de 2007

EU E A MOSCA


Mas um dia se passa e o desespero da vida insone busca meios para submergir à realidade. Difícil levantar os olhos e olhar o horizonte. O que fazer senão respirar e sentir o ar a volta? Qual é o sentido de tudo isto? Há necessidade mesmo de se sustentar nesta penúria?
Não há o que fazer... Olhar o horizonte que nos é dado pelos cachorros de rua e seguir a um futuro tempo-espaço incerto e obscuro, mesmo à luz do dia. Deve-se alcançar o carro na labuta diária insana para ser vilipendiado mais uma vez. Por quê não ignoro todos os sinais de inteligência e vivo na ignorância? Seria um alívio imediato... Como se sacrificar, neste momento, não vai aliviar a angústia de um futuro razoável, andar como os andarilhos de Vidas Secas é medida de coerência e de resistência. Resistir esta é a palavra sinônimo de sobrevivência deste mundo inóspito. Será que não sou eu o ser inóspito ou indesejado? Não interessa. Seguir indiferentemente ao que se tem em volta...pelo menos tentar! Mas o que esta mosca está fazendo no pára-brisa do meu carro! Sai daí, o coisa! Vá para algum lugar, santo Deus! Devo esquecê-la para seguir a minha vida de automâto... É preciso! Devo pensar nas coisas do trabalho. Trabalho que nada! Emprego! Cabide! Mais um pedaço da minha vida de autômato. Pior que não tem nenhum personagem engraçado ou mulher gostosa para se admirar... Mas o que é quer esta mosca? Este carro já está em movimento faz 10 minutos e ela continua na mesma posição, no mesmo lugar. Oh, mosca que fica se contorcendo se mexendo e não pára um instante sequer! Vou fazer zigue-zague com o carro para ver se ela vai embora! Como assim? Além de não sair fica zombando de mim! Ela fica espichando suas asinhas e se abrindo toda. Será que está me desafiando pelo espaço? Que idéia maluca que estou tendo. É só uma mosca! Que vida infeliz achar que uma mosca irá me desafiar. Nem o meu chefe me desafia, porque uma mosca o faria. Nossa, que estranho! Pareço um personagem do Kafka... Será que a minha vida é um rascunho, algo rastejante para me debater com uma mosca?
Dou 3 porradas no vidro para fazer com que a mosca saia. Ela age com desdém e espreguiça novamente as asas, se contorce e esfrega freneticamente.
Vou ignorá-la... Mas ela não sai! Não é que ela é graciosa e formosa no seu jeito de esfregar. Por quê ela faz isto? Qual é o motivo? Limpeza? Mas é uma varejeira! Varejeiras se limpam? Duvido que seja isto. Tem haver com alguma prática sexual das moscas por mim desconhecida? Pode ser que sim. Se for isto, chama muito atenção... Caminhão saia já da minha frente! Mas ela não quer sair. Talvez não saiba ela que não terá comida se ficar por aí. Ninguém virá para lhe servir ou orientar. Nem eu, pois se pudesse lhe esmagaria em cima do pára-brisa. É a lei da sobrevivência! Mas que sobrevivência? Uma mosca não me mataria! Coisas de uma mente doentia, fora dos padrões de normalidade. Será que a minha vizinha vai querer-me um dia?
Se pensarmos bem, estes minutos que esta mosca ficou comigo, raciocinando no tempo de vida de uma mosca em comparação com nós humanos, isto é uma eternidade. Pelo menos uns 10 anos de sua vida humana em mosca, foram passados comigo. Acho que ela gostou de mim... ou do meu carro ou do vento? Não interessa! O importante é que ela está aqui...
Depois de tanto tempo, teve que ir mesmo? Que coisa estranha pensar isto... É só uma mosca! Ainda bem que se foi! Vou ter que limpar o meu carro. E depois? A falta de sentido... estacionar, trabalhar, ser mais uma vez escravo da exclusão de mim mesmo...

2 comentários:

Anônimo disse...

É, sinto que no mundo de hoje deveríamos ser a Mosca... Livres, independentes, pousando e abrindo nossas asas quando e onde quiséssemos!! E depois a Mosca que é insignificante e inferior?
Ahhh a Mosca....

Unknown disse...

Querida Val,

Eu não tinha pensado nisto. Mas pode ser uma leitura interessante do texto. Espero que tenha gostado e não tenha achado muita viagem... hihihihiih... Beijos